31 janeiro 2014

Deduções Fiscais: As Finanças como offshore?




Há três dias, o jornal Público, entre outros, apresentou dados sobre as deduções fiscais ao IRC no ano de 2012. Além do facto da Sociedade Francisco Soares dos Santos e a Santa Casa da Misericórdia tomarem a dianteira dos que mais foram beneficiados, deixo este contributo para tentarmos perceber quem é que as deduções fiscais têm beneficiado e como. Começando pelo princípio, a seguinte figura mostra como evoluíram em número de empresas beneficiadas e em valor, as deduções fiscais entre 2010 e 2012.

Figura 1: Deduções Fiscais em valor e beneficiários, por ano


A figura fala por si, tendo havido uma progressiva redução no que diz respeito às deduções fiscais, embora em 2011 tenha havido um aumento de à volta de 3000 beneficiários para no ano seguinte haver uma quebra de 5000. Porque estes dados "pela rama" não nos dizem nada, façamos o seguinte: dividir os beneficiados em quatro grupos em relação ao valor das suas deduções. O primeiro grupo tendo um valor de dedução inferior a 100 mil euros, o seguinte 1 milhão, 10 milhões o terceiro e por fim o quarto grupo com deduções superiores a 10 milhões de euros.

Figura 2: Distribuição dos grupos por ano

Figura 3: Percentagem do total de deduções por grupo e por ano

Tanto o terceiro como o quarto grupo podem ser considerados como casos raros representando em todos os anos à volta de 1% dos casos. Podemos dizer que à volta de 100 casos, todos os anos, englobam mais de 70% do total das deduções: em 2010, 108 casos concentraram 80% das deduções; 97 casos em 2011 concentraram 76% e, em 2012, 95 casos corresponderam a 73%. Relativamente a valores, estamos a falar de algo como 1.1 mil milhões, 941 milhões e 647 milhões em 2010, 2011 e 2012 respectivamente.

Depois desta introdução, podemos começar com dois números. 38 e 2. São 38 as empresas que entre 2010 e 2012 foram poupadas fiscalmente em valores superiores a 10 milhões de euros, e 2 corresponde a 2 mil milhões de euros, que foi o valor acumulado durante esse tempo: um terço do que está inscrito no Orçamento de Estado para 2014 para Educação e Ciência.

Destas 38 empresas, pelo menos 27 estavam sediadas no "nosso" paraíso fiscal, na Madeira, correspondendo em termos de valor a 75% do total referido, cerca de 1.5 mil milhões de euros. Empresas como a Aljardi SGPS, Broadstreet Gibraltar, Defiante, Kodak Polychrome Graphics Madeira (!) e Winzip Computing, mas também alguns nomes mais familiares tais como GALP, Millenium BCP, Mota Internacional e PT Ventures, foram perdoadas de 1.5 mil milhões de euros em impostos. Incluindo as empresas com deduções inferiores a 10 milhões de euros, neste período de três anos, os perdões fiscais relacionados com a "Zona Franca da Madeira" ascendem a 2 mil e 32 milhões de euros: 1051 milhões em 2010, 822 milhões em 2011 e 159 milhões em 2012.

O fim da Zona Franca da Madeira tal como existia é visível nos resultados de 2012 bem ilustrado pelo peso no total de deduções desse ano (77% em 2010, 66% em 2011 e 18% em 2012). Dito de outra maneira, a redução das deduções relacionadas com o offshore, entre 2011 e 2012, é de 663 milhões de euros (80%).

No entanto a redução no total de deduções fiscais em 2012 foi de cerca de 350 milhões de euros (28%) em relação a 2011, tendo então havido um aumento de deduções fiscais doutro tipo, na ordem dos 314 milhões de euros. Após uma comparação entre os dois documentos, encontramos tipos de deduções e a sua respectiva diferença, resultando num aumento de 105 milhões de euros em deduções como "Pessoas Colectivas de Utilidade Pública e de Solidariedade Social" (65 milhões de euros) e Outras isenções definitivas (42 milhões de euros). Nota para a redução nos Benefícios Fiscais à Interioridade (56 milhões de euros).

Falta-nos portanto contabilizar cerca de 200 milhões de euros. Tendo alguns tipos de dedução sido extintos e novos criados entre 2011 e 2012, a resposta encontra-se num aparentemente novo tipo de dedução dedicado às SGPS, Empresas de Capital de Risco e Investidores de Capital de Risco. Um brinde para as SGPS como a GALP e o Millenium BCP, ou para o Capital de Risco como a PT Ventures. Fecha-se uma porta, abre-se um janela.

Por fim, deixo este último gráfico que explica a evolução das deduções entre 2010 e 2012, não tendo em conta a Zona Franca da Madeira.

Figura 4: Deduções Fiscais sem ter em conta as relacionadas com a ZFM

O processo do fim do paraíso fiscal da Madeira encontrou-se no tempo com a criação de facilidades para as empresas que saíram dele. E agora, na verdade, só resta saber os resultados de 2013. Porque se esta tendência se manteve, quem precisava pode já ter encontrado nas Finanças o offshore perto de casa, que tanto precisava.

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