30 janeiro 2014

Praxe: virar o bico ao prego

"Mas eu não quero me encontrar com gente louca",observou Alice.
" Você não pode evitar isso", replicou o gato.
"Todos nós aqui somos loucos.Eu sou louco,você é louca".
"Como você sabe que eu sou louca?" indagou Alice.
"Deve ser", disse o gato, "Ou não estaria aqui".



O debate aberto pela tragédia da praia do meco lançou luz sobre uma evidência, as praxes existem mesmo. Como uma mobília velha, estas instalaram-se no espaço universitário e trivializaram-se no uso e no abuso. Deixe de ler estas linhas quem nunca virou o rosto, acelerou o passo ou simplesmente ignorou as emoções perante um ritual praxístico. A boa notícia é que a discussão que agora se abre permite extirpar do quotidiano o torpor dessa evidência e combatê-la na largueza das suas consequências.

Da invenção da tradição à brutalização das identidades, há um debate que está feito no campo da esquerda e do movimento estudantil anti-praxe, apontar os exemplos sórdidos da praxe e resgatar a crítica produzida nos últimos anos, de preferência no espaço das universidades, é um passo importante. Num plano que não é menor importa, também, recordar que a estrutura da praxe e, sobretudo, a sua cadeia de comando não se subalternizam às direções académicas e estudantis, em grande parte dos casos elas confundem-se e apoiam-se mutuamente. As eleições internas destas associações são, amiúde, ganhas com recurso ao arrastamento dos votos dos alunos sob o jugo da praxe. Isso não acontece por um voluntarismo extremado ou um dever militante, as atuais associações académicas de maior dimensão (Braga, Porto, Coimbra, Lisboa, Algarve), para além de rampa de lançamento de muitos jótários, são centros de poder, dinheiro e influência que se apoiam na capacidade de mobilização e disciplina da praxe (lembre-se como Rui Moreira correu a colher o apoio da FAP) – como ritual quotidiano e disciplinador das vontades comuns, a praxe dá dinheiro a ganhar a muita gente.

Não admira, pois, que perante o reboliço mediático em torno do caso, as maiores associações académicas venham propor um estatuto do aluno contra as praxes violentas. É uma boa forma de tentar virar o bico ao prego. A própria definição convoca a absolvição, só há praxes violentas porque estas ultrapassam os limites daquilo que é uma praxe normal, boa e civilizada. Esta divisão, que aparenta fazer caminho em alguns sectores, se levada ao colo por Nuno Crato significará que o Estado e as universidades reconhecem um estatuto para uma praxe boa, que limitará e punirá a praxe má. E se a prática se regulamenta porque não os seus autores? Porque não institucionalizar a figura do Dux ou do conselho de veteranos? O que antes era folclórico vira assunto sério, tratado a carimbo e estampa oficial.

Tudo nos antípodas do que precisamos.

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