16 janeiro 2014

Sindicalismo blindado?

Sempre que oiço algum comentador, patrão ou político de direita criticar a falta de democracia nos sindicatos fico imediatamente ruborizado porque sei que, em muitos casos, essa crítica é totalmente válida. Sei bem que é usada como arma de arremesso para desvalorizar e ridicularizar o movimento sindical, mas o que é facto é que a muitos sindicatos tem faltado democracia interna e isso prejudica a sua capacidade de ação e a sua implantação.

Proponho-vos um exercício de análise dos estatutos de um sindicato para verificarmos se de facto é necessário um movimento exigente que traga práticas mais democráticas para dentro dos sindicatos. Com uma simples pesquisa no Boletim do Trabalho e Emprego do Ministério do Trabalho encontramos dezenas de Estatutos de sindicatos onde estão patentes os modos de organização interna.

Nos estatutos do SITE-Norte, por exemplo, encontramos vários pontos positivos, como a possibilidade de filiação por trabalhadores precários e uma definição clara de democracia sindical e de sindicalismo de massas assentes na audição dos trabalhadores e na sua participação ativa nas reivindicações e objetivos programáticos. O sindicato reconhece ainda o direito de tendência, reconhecendo na sua natureza unitária, a presença de várias correntes de opinião.

No entanto, depois há alguns pontos menos positivos.


A assembleia geral só tem de reunir, de acordo com os estatutos de 4 em 4 anos e a duração do mandato da direção e restantes órgão tem a mesma duração.

Não existe, para os membros eleitos do sindicato, incluindo para a direção, conselho fiscalizador ou mesa da assembleia geral qualquer limitação de mandatos (art. 46º), tão saudável em democracia para a renovação das ideias e dos quadros e para quebrar hipotéticos vícios que se tenham criado.

As listas que se apresentem a eleições têm de se apresentar a todos os órgãos do sindicato ou não são aceites (Regulamento eleitoral, art. 6º). Ora, só para a direcção são necessárias pelo menos 61 pessoas na lista (art. 58º), o que impede que apareçam listas alternativas por incapacidade de apresentar tantas pessoas a eleições, podendo favorecer direções anteriores que tenham os contactos e a organização para elaborar as listas. Para além disso, as listas têm de ser subscritas por 10% ou 200 associados do sindicato.

Depois, the winner takes it all, ou seja, na direção do sindicato não fica refletida proporção dos votos. Se uma lista ganhar por um voto que seja fica com toda a direção e pode não incluir qualquer membro das outras listas concorrentes (Regulamento eleitoral, art. 15º). Logo aqui, o debate para os próximos  4 anos esmorece um bocadinho.

Finalmente, só podem votar os associados que tenham pago as quotas até 90 dias antes da realização da assembleia eleitoral (art. 82º), mas a assembleia eleitoral pode ser convocada com um prazo mínimo de 60 dias (Regulamento eleitoral, art. 4º), o que pode deixar muitos associados que tenham menos informação sem possibilidade de votar.

Esta análise sucinta, que não quer anular os esforços que muitas pessoas e sindicatos têm feito no bom sentido, serve apenas de exemplo do muito que há a fazer para promover a democracia interna dentro do movimento sindical e não é uma crítica a esta ou aquela organização. Mas num momento em que a taxa de sindicalização ronda apenas os 20% é necessário agitar as águas para que daí saia mais força para o movimento sindical e para o movimento social.

Conheço bem a abnegação com que as trabalhadoras e trabalhadores que estão nos sindicatos realizam as funções para que foram eleitas e eleitos, reconheço que os sindicatos são motores da democracia e seus construtores e sei que não existe melhor forma de organizar as trabalhadoras e trabalhadores. Por isso, deixo este contributo para que o movimento sindical se abra, acolha mais vozes, promova um maior debate interno.

Só esse debate vivo é que pode oferecer mais soluções à luta das trabalhadoras e trabalhadores contra a exploração e, num momento em que a exploração se intensifica brutalmente, não nos podemos permitir a deixar ideias de lado por não promovermos os espaços de discussão.

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