Que a situação no Ensino Superior é grave já
ninguém consegue negar. Portugal tem das propinas mais caras de Europa. No 1º
ciclo já ultrapassam em muito os mil euros e no 2º ciclo, por não terem um teto
máximo, podem chegar a 37 mil euros (pós graduação no ISCTE). Temos milhares de
estudantes sem acesso à ação social direta (bolsas de estudo) e indireta (cantinas,
residências etc.). E temos uma geração de estudantes que recorre a empréstimos
bancários para conseguir continuar a estudar. Saem das universidades com um
diploma numa mão e uma dívida à banca na outra. Perante os números do abandono
escolar e das cada vez menores expectativas dos jovens sobre o ensino superior,
representantes dos Reitores, Associações de Estudantes e do Governo vão criar o
programa “Retomar”. A ideia é conseguir que os estudantes que abandonaram o
Ensino Superior consigam ter recursos para voltar. A ideia é boa e louvável, só
tem um problema: não vai resolver nada!
Fig1: ASE entre 1991 e 2001 Fonte: DGES |
Neste gráfico identificamos a origem histórica do
problema. Quando se introduziram as propinas havia dois argumentos que as
legitimaram. O primeiro era o de que as propinas iriam servir para aumentar a
qualidade pedagógica do Ensino Superior. O segundo era o de que a Ação Social
Escolar iria resolver eventuais desigualdades que as propinas poderiam criar. E
admito que assim tenha ocorrido nos anos imediatamente a seguir. Mas foi uma
ilusão: a partir dos anos 2000 a ação social deixou de servir um sistema de
ensino em que cada vez mais estudantes queriam estar, as propinas aumentaram e
passaram a servir como fonte de financiamento corrente das universidades e hoje
o projeto ideológico de ter um Ensino Superior para as elites é claro como
água. Como demonstram os estudos de Luísa Cerdeira de 2008, o Estado já só
financiava nessa altura 66% do Ensino Superior em Portugal, ao contrário da
média de 79% na UE. Mais: num estudo de 2011, a mesma autora demonstrou que o
Ensino Superior já absorvia mais de um quinto dos rendimentos das famílias
portuguesas com filhos em universidades (63 % do salário).
O projeto foi claro: transferir para as famílias e
para os estudantes os custos do ensino. O resultado é também claro: o Estado
abriu programas de empréstimos para os estudantes conseguirem continuar a
estudar e a tendência não deixa dúvidas com 1524 estudantes a recorrer a estes
empréstimos em 2008, 6452 em 2009, 11108 em 2010, 12000 em 2012. E os montantes
são também elevados.
Fig2: Empréstimos e valor contratado em 2010 Fonte: SPGM |
Fig3. Valor médio contatado e duração do empréstimo em 2010 Fonte: SPGM |
Hoje temos jovens diplomados que saem das
universidades já endividados à procura de um trabalho, numa economia em que a
alternativa qualificada ao emprego precário e ao desemprego é cada vez mais uma
miragem.
É por isso que não se pode vender ilusões. O
programa “Retomar” pode fazer voltar ao sistema muitos estudantes que tinham
sido excluídos. Mas é vender uma ilusão: enquanto não se mexer nas propinas, na
ação social direta e indireta e no financiamento do Estado às instituições de
ensino superior não há retoma possível. Nem do Ensino Superior, nem do país.
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