27 março 2014

A pobreza dos indicadores ou de como os pobres ascendem a 2.349.088

Recentes indicadores do INE dão conta de um aumento significativo da pobreza absoluta, da pobreza relativa, da intensidade da pobreza e da desigualdade entre os 10% mais ricos e os 10% mais pobres. Mostram ainda como as classes médias estão a ser apertadas - na verdade, no nosso país, não são só elas são magras face às outras classes, como auferem rendimentos reduzidos.

Se considerarmos que as classes médias correspondem ao 2. 3º e 4º quintil de rendimento (uma perspetiva também ela  analiticamente "pobre" na construção das classes sociais),verificámos, de acordo com os trabalhos de Margarida Carvalho ou de Frederico Cantante (incluídos no livro Portugal, uma Sociedade de Classes. Polarização social e vulnerabilidade, organizado por Renato do Carmo  - ver resumo aqui), que o 4º quantil descola dos demais,  devido à forte desigualdade salarial, mas que, em contrapartida,  o 2º e 3º  têm vindo a perder na distribuição dos ganhos salariais, aproximando-se da base da estrutura social.
Em termos crus, cada adulto destas "camadas" das classes médias recebe entre 500 a 600 euros mensais... Se a análise apontasse para a escala europeia, não teríamos qualquer hesitação (olhando para os rendimentos), em considerar estas frações como "proletárias" ou "populares".
A pobreza de uma Nação, em suma, para ser devidamente avaliada, exige uma comparação entre múltiplos indicadores, bem como uma crítica cerrada à sua construção oficial.
Os números nunca falam, como lembra Manuela Silva (em Portugal de A a Z, Lisboa, ICS, 2013), dos casos extremos das populações institucionalizadas, dos sem teto ou das famílias nómadas.
Mas há um  "pormenor" que exige toda a atenção: a União Europeia define como referencial do limiar de pobreza uma linha correspondente a 60% da mediana do rendimento por adulto equivalente de cada país (o que poderíamos classificar como pobreza relativa). Ora, a seguir cegamente esse indicador, o tal adulto seria pobre com menos de 434 euros em 2009, mas com esse valor já não seria pobre em 2010 ou 2011 e quase poderia ser considerado um "remediado" em 2012, uma vez que, com a queda da riqueza nacional,  nesse último ano  teria escapado ao alçapão estatístico da pobreza com uns modestos 410 euros. Como referem Carlos Farinha Rodrigues ou Alfredo Bruto da Costa, deveríamos considerar a pobreza "ancorada" num determinado ano de referência, atualizando os seus valores pela taxa de inflação.
Assim sendo, a percentagem de pobres em Portugal, em 2012, ancorada a 2009, é de 22,4%.
Fixem bem este número, pois ele é o mais fidedigno:  2.349.088 pobres em Portugal, ano II da Troika.

Sem comentários:

Enviar um comentário