28 abril 2014

Este país não é para quem trabalha: resposta a Helena Matos e José Manuel Fernandes


Os jornalistas Helena Matos (HM) e José Manuel Fernandes (JMF) lançaram, em janeiro deste ano, um manual simplificado do pensamento austeritário, intitulado “Este país não é para jovens” (Esfera dos Livros). Nessa obra, a já gasta narrativa da “guerra de gerações”, que procura mascarar a precarização geral da sociedade, é apresentada pelos autores a partir de um ataque ao manifesto da Associação de Combate à Precariedade – Precários Inflexíveis. Podemos encontrar nessa crítica três lugares comuns do campo que, em Portugal e na Europa, tem defendido a austeridade: o salário mínimo cria desemprego; a precariedade dos mais novos é culpa dos mais velhos; a flexibilidade protege os trabalhadores.

HM e JMF torturam as estatísticas oficiais (OCDE, Eurostat, INE) de forma a encobrir o que os Precários Inflexíveis têm vindo a defender e constatar em conjunto com amplos sectores da luta social em Portugal. Em primeiro lugar, que o salário mínimo não é uma variável isolada de cada empresa, mas uma política que afeta o consumo interno e, consequentemente, a retoma do crescimento do País. Em segundo, que existem, oficialmente, 461 mil desempregados acima dos 35 anos, escalão etário de trabalhadores que engrossa cada vez mais o conjunto do «precariado». E, por fim, que em Portugal a rigidez do mercado de trabalho é um mito que se pode constatar pelos níveis de desemprego (terceiro maior da União Europeia).

É, contudo, nas propostas de HM e JMF que podemos encontrar a verdadeira razão de ser deste seu prontuário ofertado à direita portuguesa. São igualmente três, todas baseadas no modelo da flexibilidade e da desregulamentação como dinâmica para a criação de emprego.

A primeira passa por procurar “um equilíbrio mais dinâmico nas relações entre empresas e trabalhadores, um equilíbrio capaz de favorecer a mobilidade e a formação ao longo da vida, mas também o acesso dos mais novos ao mercado de trabalho”. Os autores condensam aqui o desejo de uma relação individualizada entre o patrão e o trabalhador, regida pela liberdade do mercado. A dinâmica deste novo equilíbrio apaga o princípio do Direito do Trabalho – a desigualdade de forças entre patrão e trabalhador – e remete para o porão da história os sindicatos e organizações dos trabalhadores, destruindo os contratos coletivos e a capacidade de organização coletiva. A memória de um tempo anterior à democracia já nos ensinou que temos pouco a ganhar com esta proposta.

A segunda solução é ir ainda além da troika e do próprio Governo, revendo as “garantias dadas aos trabalhadores em caso de despedimento e desemprego, assumindo que a rotação entre postos de trabalho deve ser a situação normal”. Facilitar e embaratecer o despedimento, e retirar o apoio no desemprego para criar emprego. A realidade dos últimos três anos, como sabemos, prova que ocorre precisamente o contrário.

Mas é na terceira solução que reside a quimera final de HM e JMF: acabar “com o sistema segmentado e dual, criando um regime tendencialmente único de contrato de trabalho, muito mais flexível e, provavelmente, não limitado pelo conceito de «justa causa»”. A simplicidade da medida concretiza toda a linha de argumentação: se todos tiverem um único tipo de contrato, desprovido de qualquer proteção ou direitos, sem apoio no despedimento, acaba-se a desigualdade. Trabalhadores mais e menos novos sujeitos ao mesmo regime de trabalho descartável. 

Esta solução caricatural, pela igualização do abuso e dos níveis de exploração, tenta atingir o conceito de precariedade na sua base histórica, que explica a deterioração das relações contratuais e laborais ao longo do tempo, feita a partir do ataque aos direitos conquistados pela ação coletiva dos trabalhadores. Impedir esta normalização da precariedade é a tarefa mais importante de quem vive do trabalho em Portugal nas próximas décadas. Um tempo onde o fosso entre ricos e pobres e a oposição entre quem defende e aqueles que se opõem à política de austeridade continuará a importar mais do que a “guerra de gerações”.

*Publicado no Jornal I 

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