"Holocausto Brasileiro: Vida, Genocídio e 60 mil mortes no maior Hospício do Brasil" de Daniela Arbex está em destaque em algumas livrarias em
Portugal. E ainda bem. A jovem e premiada jornalista brasileira foi levantar a
história esquecida de um hospício em Barcarena,
construído em 1903 e onde morreram 60 mil pessoas. Um lugar inóspito,
desumanizado e de barbárie para onde durante anos foram enviados epiléticos,
alcoólicos, homossexuais, prostitutas, jovens raparigas violadas pelos patrões,
esposas de quem os maridos se queriam ver livres e filhas de fazendeiros que
perderam a virgindade antes de casarem.
Neste hospício, os 5 mil “pacientes” que em média lá viviam (num lugar
projetado para 200 pessoas…), andavam nus, de cabeças rapadas, sem objetos
pessoais e desempossados de qualquer identidade individual. Vivam uma
identidade absolutamente institucionalizada, acompanhada de condições de
vida miseráveis, desde logo dormindo no chão ou sobre capim, bebendo água de
esgoto ou urina, comendo ratos, passando fome e tendo condições de higiene
sub-humanas.
Este não foi evidentemente um caso único no mundo. A história dos hospícios
e da loucura está repleta de barbaridades, das quais se conhece muito pouco e
que têm sido pouco relatadas na história das sociedades ocidentais, com exceção
de alguns meritórios investigadores desde logo Goffman [Asylum, 1961] e Foucault
[entre outros, Histoire de la folie à l'âge classique
(1961), Surveiller et Punir: Naissance de la prison (1975), Naissance de la clinique - une archéologie du regard
médical (1963)]. E se a
categoria de “doença mental” é historicamente um palco de lutas sobre a
“normalidade” nas sociedades, percebe-se quão ainda mais gravosa era a situação
de Barcarena quando cerca de 70 % de quem lá vivia não se enquadrava em nenhuma
doença mental diagnosticada. Este holocausto construído e ocultado pelo Estado
Brasileiro e com cumplicidades várias no poder médico usava eletrochoques que
faziam derrubar a eletricidade do município.
Daniela Arbex devolveu o nome e as identidades de muitas e muitos que
passaram naquele espaço. A jornalista realiza neste livro um magnífico
exercício de memória e de insurreição de saberes dominados.
Ainda bem que há quem não feche os olhos.
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