16 abril 2014

Na investigação científica "a precariedade é a regra"


O inquérito realizado pela Associação de Combate à Precariedade - Precários Inflexíveis traz à luz a verdade sobre o risco que corre o frágil edifício da Ciência em Portugal: "a grande maioria dos investigadores são eternos bolseiros, dificilmente têm acesso a um contrato de trabalho e, perante a sua condição precária, pretendem emigrar".

Foi hoje divulgado um relatório que condensa os resultados de um inquérito dirigido a todas as pessoas que trabalham em investigação.

Algumas das conclusões divulgadas:

- 69% dos investigadores são bolseiros e apenas 15,7% têm um vínculo laboral. Na investigação científica, a máxima precariedade é a regra.

- 77,8% dos investigadores nunca tiveram um contrato de trabalho e 50,2% dos bolseiros acumulam entre 5 e 15 anos nesta condição. Na investigação científica, apenas uma minoria tem acesso a trabalho com direitos, uma vez que as bolsas e a precariedade eternizam-se.

- Apenas 14,4% dos investigadores trabalham mediante um contrato de trabalho. Na investigação científica apenas uma minoria tem acesso a trabalho com direitos.

- 62,7% dos investigadores acumularam duas ou mais bolsas na mesma unidade de investigação. Ser investigador em Portugal é andar de bolsa em bolsa, sem vislumbrar a possibilidade de integração numa unidade de investigação.

- 64,7% dos investigadores doutorados são bolseiros. A condição de bolseiro é maioritária mesmo entre quem já completou a sua formação académica, o que indica a existência de milhares de investigadores privados da construção de uma carreira científica.

- 79,5% dos investigadores que estiveram desempregados não tiveram acesso a protecção social no desemprego. Na investigação científica, a desproteção social no desemprego é massiva.

- Apenas 21,5% dos bolseiros rejeitam a hipótese de emigrar. A relação entre a máxima precariedade, o desemprego e a vontade de sair do país é inequívoca.

- Apenas 38,8% dos investigadores com contrato rejeitam a hipótese de emigrar. O risco da “fuga de cérebros” é iminente, considerando que até uma maioria daqueles que têm um contrato de trabalho, muitas vezes precário, pondera emigrar.

Como se pode ler no relatório, "a estratégia de desenvolvimento e sustentabilidade do edifício científico desenvolvida nos últimos anos revela grandes fragilidades, tendo sido conseguida à custa da precarização do sector. Por outro lado, a atual política de Ciência revela uma acentuação da precariedade laboral nas suas vertentes de desproteção social, desemprego crescente e emigração forçada, através dos cortes drásticos tanto no apoio à investigação como no emprego científico de qualidade."

Perante este números, o Ministro Nuno Crato perde toda a credibilidade quando diz aos investigadores que "as bolsas não são emprego científico e têm de ser encaradas como uma oportunidade de formação avançada". As bolsas não são emprego científico, nem trabalho com direitos, não. Mas também não são apenas "uma oportunidade de formação avançada" - são antes a estratégia de precarização total do sector da investigação científica.

"A chamada “fuga de cérebros” é uma realidade preocupante e não resulta apenas das circunstâncias económicas e sociais do país. É um fenómeno já de enorme dimensão agravado pelas decisões políticas deste Governo. (...) Apenas com o reforço do edifício científico por via do investimento público e de políticas de contratação abrangentes, garantes da qualidade da produção científica, poderemos ter uma Ciência sustentável, inovadora e autónoma, algo que contagia positivamente o país. Hoje, a relação é a do retrocesso e da estagnação: ciência precária, país precário", lê-se ainda no relatório dos Precários Inflexíveis.

Vivemos tempos sombrios. Só nos resta agir, mais ainda do que resistir.

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