24 abril 2014

Passos Coelho age por ideologia, e percebe pouco de economia



Passos Coelho age por ideologia, e percebe pouco de economia. Insiste o primeiro-ministro na ideia de que “é errado aumentar os custos salariais quando a economia está a contrair”. O primeiro problema com a teoria do primeiro-ministro é que só vê a economia do lado da oferta, ou seja, das empresas. O segundo problema é que ignora que um sistema económico não é uma só empresa nem é uma só família. É o fruto da relação – complexa e dinâmica – de empresas, famílias, instituições financeiras e, é claro, o Estado.

Quando se olha para este sistema do lado da oferta, esquece-se que do outro lado dos “custos” salariais estão pessoas, trabalhadores, que usam o seu salário para adquirir bens e serviços. Sem esta procura, sem alguém que de facto realize a despesa, a produção não sai dos armazéns e, como tal, não entra para o PIB. Os serviços não se vendem e, como tal, não entram para o PIB. Sem esta procura as empresas que produzem os bens e serviços finais vão à falência ou reduzem a oferta, e por isso investem menos, levando outras empresas, as que vendem bens de investimento, à falência. Tudo isto desconta no PIB.

Da mesma forma, a ideia de que baixar salários é benéfico para as empresas só resulta quando se olha para este sistema complexo a partir das lentes redutoras e erradas de uma “economia familiar”. Baixar os salários, despedir mais gente, até pode ser bom para uma empresa individual, mas se todas fizerem o mesmo, a economia entrará em recessão.

De forma nenhuma uma economia em crise sairá dela pelos cortes salariais e pela redução de direitos laborais.Pelo contrário, a melhor forma de evitar uma crise é dificultando os despedimentos e os cortes remuneratórios: é essa estabilidade no rendimento dos trabalhadores que pode evitar que um pequeno acidente se torne numa profunda recessão.


Ao contrário do que previa Adam Smith e os teórico da teoria da oferta em que Passos Coelho parece acreditar, a combinação das ações individuais de todos os capitalistas para maximizar o seu lucro não garante o melhor resultado económico e social. A única coisa que garante é mesmo a maximização do seu lucro, e é por isso que querem descer salários.

Só há dois modelos em que menos salários e menos condições de trabalho podem resultar como estratégia de crescimento.


O primeiro é o modelo totalmente virado para exportações, em que se conta com os salários dos países vizinhos para comprar os produtos que os trabalhadores nacionais não conseguem. Além de profundamente anti-social (as fábricas da China), as chances são de que o problema da coincidência de ações individuais se repita: se todos os países baixarem salários para exportar, quem é que importa os bens e serviços? O modelo da competitividade internacional a todo o custo é uma corrida para o fundo em que quem sai a perder são os trabalhadores.

O segundo modelo é o modelo da especulação financeira e do endividamento como forma de manter o consumo e o investimento sem dinamizar a “economia real”. Mas quem é que quer ver esse pesadelo a repetir-se?


Poder-se-á dizer que há uma outra opção. Uma que combina a procura interna com exportações especializadas, em áreas de produção tecnológica ou outra de elevado valor acrescentado, baseadas em trabalho qualificado. Passos Coelho diria que esse é o seu modelo. Mas então por que é que não quer subir os salários? Porque age por ideologia, e percebe pouco de economia.

1 comentário: