01 julho 2014

Os equívocos de Pedro Lomba

A discussão é cíclica: de cada vez que o regime social treme, os governos europeus encontram refúgio na retórica conservadora sobre a imigração. A narrativa sobre a “invasão eminente” tem sido constantemente utilizada para justificar a construção de uma muralha política em torno da Europa. Com o incentivo das instituições europeias e o suporte militarizado do Frontex, os países periféricos do Sul foram transformados em verdadeiras fortalezas anti-imigração – das quais Amygdaleza e Lampedusa são apenas a face mais visível.

Até aqui nada de novo. Porém, a abertura das fronteiras aos cidadãos da Bulgária e da Roménia cria uma nova contradição entre a política restritiva de fronteiras e o direito à mobilidade, desta vez dentro do espaço alargado da União Europeia. O governo britânico, temendo a entrada generalizada de ciganos no país, apresentou recentemente uma proposta ultra-restritiva à entrada de cidadãos estrangeiros. A proposta de David Cameron pretende “atrair pessoas que contribuem e dissuadir pessoas que não contribuem”. A polémica gerada em torno do documento (tem razão António Guterres quando diz que esta proposta “propicia a segregação étnica”) volta a confrontar a perspetiva securitária com a defesa dos direitos humanos.

É neste contexto que o governo português, pela voz de Pedro Lomba, anuncia também a intenção de rever a política nacional de controlo das fronteiras. Se dúvidas houvesse sobre a orientação do documento, Lomba esclarece a intenção governamental ao afirmar que o ACIDI deve ter como função “identificar e captar imigração de elevado potencial ou de grande valor acrescentado”. Com uma retórica semelhante à de David Cameron, o “empreendedorismo imigrante” de Pedro Lomba comporta três equívocos:

Em primeiro lugar, a ideia de que existe uma “imigração de elevado potencial” hierarquiza os migrantes em função de fatores tão díspares como o nível socioeconómico ou o país de origem. (Esta ideia não é uma novidade absoluta: as quotas de imigração cumprem, ainda que parcialmente, esta função.) Mas a ideia de Lomba vai mais longe, ao pretender transformar as autoridades portuguesas em juízes da entrada no país de mão-de-obra qualificada. A consequência imediata desta alteração – nomeadamente no que ao ACIDI diz respeito – é a retirada da política de imigração da esfera da integração, fazendo prevalecer o critério utilitarista das necessidades do mercado nacional como regulador da entrada de estrangeiros.

O segundo equívoco traduz-se na ideia, reproduzida em Portugal desde a década de 1960, de que a imigração é um fenómeno de dupla-face. Ou, dito de outra forma, a ideia de que é possível enaltecer uma minoria “bem integrada social e culturalmente”, embandeirando a meritocracia como fator de mobilidade social. O problema deste modelo é a sua incompatibilidade com a realidade. Sabemos hoje que os imigrantes são das populações mais vulneráveis à austeridade, sobretudo os mais velhos e aqueles que se encontram em situação ilegal.

O terceiro equívoco é, provavelmente, o mais significativo. Trata-se da ideia de que o controlo de fronteiras – seja através do fechamento ou da seleção dos que entram legalmente – poderá funcionar como regulador dos fluxos migratórios em grande escala. A história das últimas décadas mostra o contrário: independentemente das opções políticas sobre a entrada de não-nacionais, o principal fator regulador da imigração laboral é sempre o mercado de trabalho (seja por via da taxa de desemprego ou das garantias laborais). Assim, uma política mais restritiva sobre as fronteiras serve unicamente para desvalorizar a mão-de-obra, trocando os direitos básicos por uma situação de extrema precariedade laboral e social. As propostas de Cameron e Lomba são a fotografia perfeita de uma Europa que, ao mesmo tempo que facilita a circulação de capital, se apresenta aos imigrantes com as portas fechadas e as janelas abertas.

Artigo republicado a partir daqui.

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