O jornalismo e o serviço público de televisão são partes
fundamentais e eminentemente constitutivas das democracias. Diana Andringa, uma
especialista nos terrenos do jornalismo e uma incansável ativista nos terrenos
da comunicação social mas também noutras esferas da intervenção cidadã,
apresenta-nos a sua tese de doutoramento publicada agora em livro pela Tinta da
China precisamente sobre a relação entre os constrangimentos ao
profissionalismo e a vivência da responsabilidade social dos jornalistas.
A autora volta aos Tratados Europeus, ao estatuto de
jornalistas, a George Orwell e a Michel Foucault em busca de um título: “Funcionários
da Verdade: profissionalismo e responsabilidade social dos jornalistas do
serviço público de televisão”. Na obra mistura um quadro teórico rico com uma abordagem
pluriparadigmática de métodos complementares. O resultado é um trabalho de
campo centrado nos profissionais do jornalismo, mas também na análise das
condições e constrangimentos estruturais em que ele é exercido e das consequências que o
agravamento dessas condições têm para a prática de um jornalismo independente e
responsável socialmente.
O livro divide-se em sete partes. Começa por uma
explicitação sobre a forma como se deve pensar sobre o vivido e sobre a escolha
do título. É um começo feliz. Diana Andringa expõe parte dos seus anos como
jornalista e de como eles necessariamente influenciam a pesquisa. Essa
honestidade de situar os conhecimentos que se produz é rara e deve ser
assinalada. A segunda parte faz aquilo que é imprescindível a qualquer pesquisa
sociológica digna desse nome: uma revisitação histórica sobre o objeto de
estudo em que se trabalha. Percorre a censura e a manipulação do jornalismo, o
seu crescimento após o 25 de Abril e a sua abertura à influência do mercado
desde os anos 90. Numa terceira parte desenvolve uma análise detalhada sobre os
conceitos fundamentais em torno dos quais se inscreve a pesquisa:
profissionalismo; responsabilidade social; televisão; serviço público de
televisão; constrangimentos. Nas quatro partes seguintes mergulha sobre o
trabalho de investigação, os dados recolhidos e os indícios teóricos que eles
sugerem. Começa com uma análise da pesquisa de terreno que fez na RTP, abordando
a utilização das tecnologias, a ideologia da produtividade, o papel das
audiências na estruturação de conteúdos, mas também a informalidade que sempre
marca e organiza o quotidiano no trabalho, desde as conversas de corredor, ao
papel do panóptico open space onde
todos se observam e todos são observados. Depois aborda as representações da
profissão pelos seus profissionais através de um inquérito e do correio ao
provedor. Em terceiro lugar procura desenvolver uma análise detalha sobre três casos
amplamente mediatizados e que sugerem uma discussão profunda entre a
responsabilidade social dos jornalistas e as agendas de mediatização: o referendo
sobre a IVG; o caso de Manuel Subtil que se barricou num estúdio de televisão; e
o pseudo-arrastão da praia de Carcavelos. Esta análise leva Diana Andringa a
refletir sobre a passagem do acontecimento ao pseudo-acontecimento e ao papel
das estratégias de mediatização nesse processo.
Este é um livro útil para qualquer cidadão e cidadã
preocupada com os percursos e os desafios da democracia portuguesa. Nele Diana
Andringa consegue misturar simultaneamente três fórmulas de sucesso: a
criatividade científica de quem potenciou o feliz casamento entre o jornalismo
e a sociologia; o rigor técnico de articulação entre uma base teórica e
história muito completa e uma metodologia ampla, flexível e coerentemente orientada
com o objeto de estudo; e a inquietação cidadã de quem sabe só a reflexão
crítica e atenta poderá iluminar a história que está por construir.
Funcionários da Verdade é livro a não perder, de uma autora com quem nos
cruzaremos muitas vezes, onde a democracia exigir a nossa presença, reflexão e
combatividade.
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