17 dezembro 2014

A mentira de Passos: apenas 33% dos estagiários encontram emprego



Quem lê estas linhas e nos últimos três anos procurou um emprego sabe bem do que falo."Dinamismo e capacidade de iniciativa", "capacidade de organização e gestão do tempo", "grande sentido de responsabilidade", "fluência em inglês e francês", todos os requisitos e exigências de um trabalho que recebe em troca um inevitável: "Estágio profissional (IEFP) com possibilidade de integração no quadro efetivo mediante avaliação positiva". Esta é a realidade cada vez mais frequente com que se deparam os desempregados e trabalhadores precários em Portugal.

Passos Coelho, numa intensa semana de pré-campanha eleitoral, congratulou-se por 70% dos estágios resultarem num contrato de trabalho. A maioria dos estagiários, no entanto, conhece bem a instabilidade por que passa nos escassos meses de estágio e a incógnita do fim que se aproxima. Onde mora a razão neste conflito?

É mesmo o mexilhão que paga.

A ideia de que o estágio é um favor prestado pelas empresas a jovens sem experiência laboral é o primeiro erro de entendimento. Em primeiro lugar porque há um equilíbrio quase perfeito entre os trabalhadores mais velhos (acima dos 25 anos) e os mais novos (abaixo dos 25 anos) na ocupação dos estágios: 30 699 e 30 834 respectivamente (IEFP, dados acumulados de 2014), o que aponta para um acumular de experiência profissional pré-estágio significativo.

Depois, e não menos importante, porque o conhecimento técnico e as formas de organização da produção não são um monopólio ao dispor dos patrões. Na história, é imenso o conhecimento acumulado por aqueles que asseguram de facto a produção, desde o trabalho industrial manual à criação do software informático até às inovações materiais produzidas pela investigação dos trabalhadores científicos; é na fragmentação e apropriação desse saber por grupos empresariais cada vez mais concentrados que reside a dificuldade das últimas décadas. Fazer com que o trabalhador acredite na impossibilidade da partilha do conhecimento como um bem coletivo, submetendo-o a uma relação de súplica salarial, será, por ventura, uma das maiores derrotas que hoje enfrentamos como classe que vive do trabalho.

Esta concepção autoritária da criação de emprego conduz, por conseguinte, a uma política ativa de criação de emprego submetida ao interesse de quem emprega. De acordo com o estudo de Mónica Costa Dias e José Varejão - Estudo de avaliação das políticas ativas de emprego - entre 2004 e 2011 os estágios comportaram um custo público de 716 milhões de euros, um valor suportado coletivamente que é isentado às empresas que recorreram à medida.

Pagar para trabalhar

Posto esta crítica, terá Passos Coelho razão no benefício criado pelos estágios? Um princípio de resposta passa por atentar ao próprio processo de estágio que se alonga cada vez mais no tempo. À semelhança do Governo, muitos patrões cavalgam no fatalismo que nos diz que "um emprego qualquer é melhor do que emprego nenhum", e levam isso bem ao pé da letra. O processo de candidatura dos estágios do IEFP chega a demorar até 4 meses, período no qual o trabalhador não pode, segundo o regulamento, exercer o seu cargo na empresa interessada. Isso resulta muitas das vezes num período de promessa de estágio, durante o qual muitos trabalham sem receber. Nestes casos, nenhum salário é o mesmo que salário nenhum. Esta degradação continuada da entrada ou reingresso no mercado de trabalho é uma marca do regime de austeridade que intensificou a fragilidade e exploração dos que vivem do trabalho.

Apenas 33% dos estagiários são colocados

“Eles existem, eles estão lá”, referiu-se Passos aos dados do IEFP sobre os supostos 70% de empregabilidade alcançados pelos estágios. É verdade, eles estão lá. Quando consultamos os relatórios mensais de Execução Física e Financeira do IEFP verificamos, porém, que Passos mentiu. Como vemos no quadro, até outubro de 2014, dos 20 531 trabalhadores que terminaram o estágio, apenas 6 881 (33%) conseguiram um contrato de trabalho no mesmo local. 


Estes dados reforçam a informação do Banco de Portugal, que nos diz que o aumento de estágios conduz a uma diminuição fictícia da taxa de desemprego, assim como confirmam o estudo de Dias e Varejão (2004-2011),segundo o qual a realização de um estágio aumenta em 10 a 25 pontos percentuais a probabilidade de conseguir um emprego, mas que esse efeito se degrada com a passagem do tempo (mais de 42 meses depois do estágio).

Enfrentar o flagelo dos estágios passa por assegurar o direito ao trabalho na sua concepção mais digna: trabalho igual, salário igual. A criação de emprego depende hoje, mais do que nunca, de um investimento público capaz de se libertar dos constrangimentos coloniais da União Europeia, e não de uma coletivização dos custos de trabalho em benefício das empresas. Assegurar que a cada estágio corresponda uma fiscalização efetiva, que previna o abuso do trabalho não pago, é outra das condições. Por fim, os estagiários organizaram-se como trabalhadores precários que são é o que precisamos. Isto não vai parar por aqui.



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