09 janeiro 2015

Ricardo Cabral Fernandes: Xenofobia e racismo, duas doenças sociais


           
A tentativa de capitalização dos atentados de Paris por Marine Le Pen não se fez esperar. Apresentou a proposta de um referendo sobre a introdução da pena de morte no "arsenal" jurídico francês, utilizando a linguagem bélica que caracteriza o fascismo. Esta linha de discurso apenas dá azo à xenofobia e racismo e vemos as suas consequências nos recentes ataques a mesquitas em França. É um discurso que extravasa fronteiras e em Portugal, infelizmente, também já se manifestou.

Na década de 30 e 40 do século passado, o regime nacional-socialista de Adolf Hitler utilizou os judeus como bode expiatório para a criação de uma nova união nacional, para a criação de um inimigo interno que se responsabilizasse pelas consequências da crise de 1929,  desresponsabilizando o capitalismo e as suas contradições. Exarcebou-se o nacionalismo, essa doença social. Bem sabemos que esse mesmo capital, que fugiu às responsabilidades, lucrou milhares de milhões de marcos com o Holocausto, tanto de judeus como de ciganos, homossexuais ou outros indivíduos que não estivessem de acordo com a sociedade modelo Hitler, o Reich milenar de pureza da raça. 

Ao criar-se um inimigo externo o povo alemão não reagiu ao inimigo interno que o partido nacional-socialista representava para a democracia e respectiva liberdade de expressão. A ascensão da Frente Nacional representa o mesmo perigo para a República Francesa e seus direitos - mesmo que crescentemente erodidos pela austeridade do senhor François Hollande -, mas também para os trabalhadores franceses, comunidade muçulmana e imigrantes. Constitui uma ameaça para todos e é nessa mesma ameaça que deve se sustentar a união e, por intermédio, a luta contra a xenofobia e o racismo e a defesa da liberdade de expressão.

A tentativa de capitalização do atentado extravasou rapidamente para a Grécia, com Antonis Samaras, líder do Nova Democracia, a atacar, num congresso do seu partido, o Syriza ao declarar que este quer "dar a nacionalidade massivamente, o acesso a cuidados de saúde e apoio social a todos os imigrantes ilegais”. A xenofobia e o racismo, que vemos com a ascensão da Frente Nacional e realização de manifestações semanais na Alemanha, são duas doença sociais que não se restringem a fronteiras. Na Alemanha foca-se nos muçulmanos e na Grécia a todos os imigrantes, que são a infantaria ligeira do precariado global. Os imigrantes são os primeiros a sentir o efeito da austeridade por serem economicamente descartáveis e fracamente abrangidos - quando o são - pelos sistemas de protecção social, sendo depois vítimas de discriminação e xenofobia quando a austeridade alcança as camadas sociais nacionais, o que não demora a ocorrer.

Na Grécia, os imigrantes são colocados em centros de detenção sobrelotados por tempo indefinido em condições sub-humanas, são alvos de ataques de neonazis da Aurora Dourada, são explorados por empresários agrícolas e industriais, são vítimas do Mediterrâneo, bem como alvo primordial dos traficantes de tráfico humano. A todos estas situações acrescenta-se o facto de virem de locais em conflito bélico, de ditaduras e/ou de Estados que não fornecem qualquer tipo de perspectivas de futuro. Samaras ataca o Syriza por este apenas defender o direito mais básico de qualquer ser Humano, o direito a uma vida digna. Depois de dois anos da barbárie da austeridade, que representa um retrocesso civilizacional em pleno Estado da União Europeia, esse "farol" das Liberdades e dos Direitos Humanos, Samaras já demonstrou que não se interessa pela dignidade humana. Para Samaras apenas a consolidação orçamental e a transferência dos lucros do trabalho para o capital interessam. Os Direitos, esses, não passam do papel para a realidade. A realidade, essa, é do capital.

É de realçar que Samaras tentou uma jogada que demonstra a sua total hipocrisia, desrespeito pelo povo grego e o medo que tem do Syriza. A protecção social grega foi desmantelada ao ponto dos gregos se verem obrigados a contrair SIDA para poderem ter acesso à mais elementar protecção social. Ao afirmar que o Syriza quer dar protecção social aos imigrantes tenta jogar a cartada xenófoba e racista de colocar gregos contra imigrantes com a esperança de retirar votos ao Syriza. Este será apenas mais um exemplo, entre muitos, do desespero dos arautos do capital e da barbárie da austeridade num momento em que poderão estar prestes a perder o controlo sobre o futuro da Grécia e, quem sabe, do continente europeu.

O capital explora os imigrantes como mão-de-obra barata facilmente descartável, aproveitando ainda para fazer pressão na redução dos salários dos restantes trabalhadores; já o Syriza defende o direito a uma vida digna, quer sejam imigrantes ou nacionais. A culpa da crise não é nem de longe dos imigrantes, mas sim do sistema capitalista global e das suas contradições. Enquanto não o entendermos a xenofobia e o racismo serão "apenas" a expressão do ódio a quem não o merece, a atribuição de responsabilidades a quem não as tem. Combater a xenofobia e o racismo é combater a Frente Nacional e defender o direito a uma vida digna e à liberdade de expressão.

Ricardo Cabral Fernandes,

Mestrando em Ciência Política

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