A tentativa de capitalização dos atentados de Paris por
Marine Le Pen não se fez esperar. Apresentou a proposta de um referendo sobre a
introdução da pena de morte no "arsenal" jurídico francês, utilizando
a linguagem bélica que caracteriza o fascismo. Esta linha de discurso apenas dá
azo à xenofobia e racismo e vemos as suas consequências nos recentes ataques a
mesquitas em França. É um discurso que extravasa fronteiras e em Portugal,
infelizmente, também já se manifestou.
Na década de 30 e 40 do século passado,
o regime nacional-socialista de Adolf Hitler utilizou os judeus como bode
expiatório para a criação de uma nova união nacional, para a criação de um
inimigo interno que se responsabilizasse pelas consequências da crise de 1929, desresponsabilizando o capitalismo e as suas
contradições. Exarcebou-se o nacionalismo, essa doença social. Bem sabemos que
esse mesmo capital, que fugiu às responsabilidades, lucrou milhares de milhões de
marcos com o Holocausto, tanto de judeus como de ciganos, homossexuais ou
outros indivíduos que não estivessem de acordo com a sociedade modelo Hitler, o
Reich milenar de pureza da raça.
Ao criar-se um inimigo externo o povo alemão
não reagiu ao inimigo interno que o partido nacional-socialista representava
para a democracia e respectiva liberdade de expressão. A ascensão da Frente
Nacional representa o mesmo perigo para a República Francesa e seus direitos -
mesmo que crescentemente erodidos pela austeridade do senhor François Hollande
-, mas também para os trabalhadores franceses, comunidade muçulmana e
imigrantes. Constitui uma ameaça para todos e é nessa mesma ameaça que deve se
sustentar a união e, por intermédio, a luta contra a xenofobia e o racismo e a
defesa da liberdade de expressão.
A tentativa de capitalização do
atentado extravasou rapidamente para a Grécia, com Antonis Samaras, líder do
Nova Democracia, a atacar, num congresso do seu partido, o Syriza ao declarar
que este quer "dar a nacionalidade massivamente, o acesso a cuidados de saúde e apoio social a todos os
imigrantes ilegais”. A xenofobia e o racismo, que vemos com a ascensão da
Frente Nacional e realização de manifestações semanais na Alemanha, são duas
doença sociais que não se restringem a fronteiras. Na Alemanha foca-se nos
muçulmanos e na Grécia a todos os imigrantes, que são a infantaria ligeira do
precariado global. Os imigrantes são os primeiros a sentir o efeito da
austeridade por serem economicamente descartáveis e fracamente abrangidos -
quando o são - pelos sistemas de protecção social, sendo depois vítimas de
discriminação e xenofobia quando a austeridade alcança as camadas sociais
nacionais, o que não demora a ocorrer.
Na Grécia, os
imigrantes são colocados em centros de detenção sobrelotados por tempo indefinido
em condições sub-humanas, são alvos de ataques de neonazis da Aurora Dourada,
são explorados por empresários agrícolas e industriais, são vítimas do
Mediterrâneo, bem como alvo primordial dos traficantes de tráfico humano. A
todos estas situações acrescenta-se o facto de virem de locais em conflito
bélico, de ditaduras e/ou de Estados que não fornecem qualquer tipo de
perspectivas de futuro. Samaras ataca o Syriza por este apenas defender o
direito mais básico de qualquer ser Humano, o direito a uma vida digna. Depois
de dois anos da barbárie da austeridade, que representa um retrocesso
civilizacional em pleno Estado da União Europeia, esse "farol" das
Liberdades e dos Direitos Humanos, Samaras já demonstrou que não se interessa
pela dignidade humana. Para Samaras apenas a consolidação orçamental e a
transferência dos lucros do trabalho para o capital interessam. Os Direitos,
esses, não passam do papel para a realidade. A realidade, essa, é do capital.
É de realçar que Samaras tentou uma jogada que demonstra a sua total hipocrisia,
desrespeito pelo povo grego e o medo que tem do Syriza. A protecção social
grega foi desmantelada ao ponto dos gregos se verem obrigados a contrair SIDA
para poderem ter acesso à mais elementar protecção social. Ao afirmar que o
Syriza quer dar protecção social aos imigrantes tenta jogar a cartada xenófoba e
racista de colocar gregos contra imigrantes com a esperança de retirar votos ao
Syriza. Este será apenas mais um exemplo, entre muitos, do desespero dos
arautos do capital e da barbárie da austeridade num momento em que poderão
estar prestes a perder o controlo sobre o futuro da Grécia e, quem sabe, do
continente europeu.
O capital explora os imigrantes como
mão-de-obra barata facilmente descartável, aproveitando ainda para fazer
pressão na redução dos salários dos restantes trabalhadores; já o Syriza
defende o direito a uma vida digna, quer sejam imigrantes ou nacionais. A culpa
da crise não é nem de longe dos imigrantes, mas sim do sistema capitalista global
e das suas contradições. Enquanto não o entendermos a xenofobia e o racismo
serão "apenas" a expressão do ódio a quem não o merece, a atribuição
de responsabilidades a quem não as tem. Combater a xenofobia e o racismo é
combater a Frente Nacional e defender o direito a uma vida digna e à liberdade
de expressão.
Ricardo Cabral
Fernandes,
Mestrando em
Ciência Política
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