Durante a viagem troca impressões com uma colega de labuta, de como hoje deixou o jantar da patroa pronto a aquecer e ainda conseguiu passar na loja para comprar o vestido da sua filha. Com a saída da colega, Isidra continua com uma vontade transbordante de conversar, dessa generosidade fiquei a saber tudo isto e que a viagem dela ainda continuaria, pois o marido aguardava na estação final para a levar até Castelões, onde mora a "um ror de anos". Quando lhe pergunto pelas condições no trabalho, Isidra, com as mãos inquietas, assente que é o que há. Que já trabalhou em casas piores, que esta patroa nunca lhe faltou. Na timidez de lhe perguntar quanto ganha, questionei sobre contrato de trabalho, para logo ver a mão de Isidra mandar-me passear, alargando um sorriso como resposta. Não insisti. As explicações de como a filha está a estudar no Porto foram interrompidas pela minha saída.
A Isidra é uma das quarenta mil trabalhadoras domésticas que o Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria,Vigilância,Limpezas,Domésticas e Actividades Diversas (STAD) estima haver em Portugal. A grande maioria trabalha na informalidade, sem contrato de trabalho e recebendo os parcos salários em espécie. A geografia social destes laços estende-se pelas nossas cidades, na invisibilidade destas conversas e na permanência deste atraso, que é pagar pouco a quem muito faz.
A Isidra é uma das quarenta mil trabalhadoras domésticas que o Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria,Vigilância,Limpezas,Domésticas e Actividades Diversas (STAD) estima haver em Portugal. A grande maioria trabalha na informalidade, sem contrato de trabalho e recebendo os parcos salários em espécie. A geografia social destes laços estende-se pelas nossas cidades, na invisibilidade destas conversas e na permanência deste atraso, que é pagar pouco a quem muito faz.
No Brasil, país marcado pela subserviência a uma elite que consagrou o direito a ser servida quotidianamente por uma massa de trabalhadores onde as mulheres negras são a maioria, a chamada PEC das domésticas, uma emenda constitucional que consagrou a igualdade entre os trabalhadores domésticos e os restantes trabalhadores, explica parte da reação enfastiada da direita brasileira que se manifestou nas ruas de São Paulo no último mês - segundo alguns estudos, os brasileiros que recebem o equivalente a mais de 10 salários mínimos chegam a ter, em média, sete trabalhadores domésticos (motorista, jardineiro, copeira, babá etc) à sua disposição.
Conta quem conhece que a ComuniDária, associação de "empoderamento" das mulheres migrantes, é o que demais próximo temos em Portugal de um exemplo de organização colectiva neste sector. A ComuniDária apresentou no ano passado um conjunto de alterações à lei do trabalho doméstico, que passam por adoptar os princípios da Convenção 189 da Organização Internacional do Trabalho sobre trabalho doméstico, que defende os direitos fundamentais que devem ser comuns a todos os profissionais que asseguram o trabalho doméstico, como as horas de trabalho razoáveis, o pagamento de salário mínimo, definição de descanso semanal, esclarecimento prévio sobre termos e condições do emprego, respeito à liberdade sindical e direito à negociação coletiva.
O PSD e o CDS chumbaram a ratificação desta Convenção no Parlamento em janeiro. É caso para dizer que com benzina e algumas Isidras organizadas bem nos podíamos livrar desta nódoa.
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