14 julho 2015

Os cinco delírios de Rui Ramos sobre a situação grega


Rui Ramos pensa que pode fazer no comentário político o mesmo que faz com a história de Portugal: manipular interpretações e factos para que a realidade histórica se possa assemelhar o mais possível às suas próprias conceções ideológicas e políticas. Mas mais difícil que manipular a interpretação de acontecimentos passados, é tentar manipular os factos de um conflito a que assistimos hoje, ao vivo e a cores.

No sempre habitual pasquim da direita, de seu nome Observador, o ilustre historiador ensaia a teoria de que depois do referendo grego têm de ser as elites da direita europeia a passar ao ataque. E segundo ele já começaram. Diz Ramos que o melhor símbolo da viragem política europeia dos últimos cinco meses são os 8 minutos em que o liberal Guy Verhofstadt interpela Tsipras no Parlamento Europeu. Já se sabia que um discurso tão degradante quanto mentiroso só podia excitar fanáticos, mas para Ramos esse discurso mostra que “a Europa tirou a gravata” e passou ao ataque para salvar a Grécia do “regime de demagogia golpista” em que Tsipras a colocou.
Como não está habituado a perder, Ramos entrou na fase do delírio político para tentar salvar a direita do banho de água fria que foi terem perdido o referendo, depois de usarem todas as formas de pressão política e financeira e uma escandalosa manipulação mediática nos órgãos de comunicação social privados.

Para essa salvação, Rui Ramos inventa cinco delírios. Primeiro, Tsipras é “uma espécie de Hugo Chavez” que “submeteu a Grécia a uma das maiores fraudes plebiscitárias da história, ao persuadir os eleitores gregos (…) de que tinham uma margem de manobra que, de facto, não existia”. Segundo, Tsipras é um anti-democrata de “demagogia golpista” que “convidou os gregos a recusarem a austeridade proposta pelos credores europeus (…) para agora (…) propor uma carga de austeridade muito maior”. Terceiro, desde 2010 que a União Europeia “tentou proteger a Grécia”, dando-lhe “dinheiro e perdoando-lhe dívidas”. Quarto, a União Europeia tinha a boa intenção de que os políticos gregos “desmantelassem a máquina de fazer défices instalada no país” para que “desmamassem a Grécia do défice”. Quinto, a culpa da situação grega não é das instituições mas da “falta de apoio interno para as reformas”.

Admito que este esforço é uma tentativa meritória de tentar erguer a dignidade dos seus compinchas. Mas em política não vale manipular tudo.
Primeiro, o programa do Syriza não foi uma “fraude plebiscitária”, foi uma proposta económica, social e política que assentava na ideia de que a austeridade agravou todos os problemas da Grécia e que só a reestruturação da dívida, a criação emprego e promoção de justiça fiscal podiam fazer a economia grega respirar. É verdade que as instituições europeias estão a fazer de tudo para impedir que esse programa possa ser concretizado. Mas isso não é culpa do Syriza. É culpa das instituições que decidiram suspender a democracia na Europa.
Segundo, quem é anti-democrático não é Tsipras, cujo governo foi eleito e deu uma lição de democracia à Europa com o referendo. A ausência de democracia está nas instituições não eleitas – FMI, BCE e Comissão Europeia – que, sob ordens do governo Alemão, andaram a insistir que o governo grego só podia implementar o programa político da Nova Democracia que tinha perdido eleições. O resultado deste confronto com os oligarcas ainda está em aberto, mas se a Grécia conseguir, como propõe, uma reestruturação da dívida, uma reforma para a justiça fiscal, o regresso da contratação coletiva e da proteção social e um pacote de medidas de combate à corrupção, fraude e invasão fiscal, então terá capacidade de, a breve prazo, conseguir colocar a economia a respirar e implementar o seu programa.
Terceiro, é falso que desde 2010 as instituições europeias tenham andado a proteger a Grécia. O que fizeram foi impor um programa ideológico violentíssimo que fez regredir o PIB grego em 27 %, condenando uma sociedade à miséria para salvar a banca alemã e francesa.
Quarto, é falso que as instituições europeias alguma vez tenham estado interessadas em combater o endividamento da Grécia. Pelo contrário, a política de austeridade só aumentou a dívida e o défice, condenando o país a uma recessão económica.
E em quinto, é um absurdo dizer que houve na Grécia falta de apoio interno para as reformas. Nestes cinco anos a Grécia cumpriu o essencial das reformas impostas pelas instituições: liberalizaram o mercado de trabalho, destruíram serviços públicos, reduziram salários e pensões, facilitaram os despedimentos, privatizaram o que conseguiram. O problema é que estas reformas destruíram o país, estando agora o governo grego a propor outro pacote: reforma do sistema fiscal para quem mais tem pagar mais, devolver serviços públicos e dignidade a quem mais sofreu com a crise, estancar o desemprego, combater a fraude, a invasão fiscal e a corrupção e voltar a ter proteção social no trabalho.
Nos oito minutos que Rui Ramos diz que marcam a viragem europeia, Guy Verhofstadt tenta transformar-se num novo herói da direita assanhada que perdeu o referendo. Mas Ramos esqueceu-se de lembrar que Guy Verhofstadt é justamente membro da administração de um fundo belga bilionário - Société Financière de Transports et d’Entreprises Industrielles – que detém uma participação na empresa GDF Suez que participou num dos consórcios para a privatização da rede de água de Salónica, uma das imposições do memorando da troika que foi derrotada pela população num referendo local. Consórcio esse com a empresa Ellaktor que domina os negócios da construção, autoestradas e tratamento de lixo e é liderada por uma família de oligarcas gregos cujo chefe é George Bobolas, detentor da maior estação de televisão privada grega.

Isto está mesmo tudo ligado. Mas essa parte é melhor não lembrar, não acha Rui Ramos?


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