23 janeiro 2015

Reportagem em Atenas: A cooperativa de jornalistas que bateu a concorrência, por Nuno Moniz e Catarina Príncipe

Jornal dos Editores, uma cooperativa de jornalistas

Redação do Jornal dos Editores.










"Efimerida”, ou liberdade de imprensa. É o jornal produzido por uma cooperativa de jornalistas há dois anos e meio. Grande parte dos jornalistas que hoje lá trabalham, e que estiveram no começo deste jornal, faziam parte do Eleftherotypia. Este fechou há alguns anos, entre dívidas de impostos e deempréstimos bancários, e pôs cerca de duas mil pessoas no desemprego.
Uma parte destas pessoas encontrou uma solução ao criar uma cooperativa de jornalistas, em que toda a gente tem a mesma quota e em que todos recebem o mesmo salário ao fim do mês, desde um simples jornalista, até ao director do jornal, passando pelos editores.
Esta solução foi a melhor que encontraram para poderem ter maior liberdade de expressão. O critério editorial é simples: liberdade de expressão, da imprensa, e das pessoas. Traçam a linha na extrema-direita, racismo, homofobia e todos os ataques à dignidade humana.
São claros na sua opinião sobre a maioria dos media gregos, afirmando que são corruptos no sentido de protegerem os poderes instituídos incluindo os partidos pró-memorando da troika. Aliás, uma das notícias de ontem na capa da edição era exactamente sobre a isenção dum total de 40 milhões de euros de impostos, por um ano, aprovada pelo ainda Governo da Nova Democracia e PASOK, a muitos destes media.
Têm causado mossa. Os processos são recorrentes, tendo sempre saído por cima. Só nos últimos meses, ganharam processos interpostos por membros de governo e por dirigentes do Xrisi Avgi, a extrema-direita nazi. E o Primeiro-Ministro Samaras continua a recusar dar-lhes qualquer entrevista.
Neste momento são o segundo jornal mais lido em Atenas em alguns dos dias da semana e fim-de-semana, e em conjunto garantem a viabilidade económica da edição. É uma história de como o cooperativismo pode contribuir tão claramente para, por um lado, dar voz às situações que são ignoradas pela imprensa que é protegida pelos interesses, e por outro lado, resolver o problema do emprego colectivamente, garantindo a igualdade entre todos e todas, quer nos processos quer nos salários.
A pressão europeia não é só aos gregos e gregas
Uma das questões mais levantadas nas sessões de esclarecimento do programa do Syriza é a questão da corrupção. Nos últimos anos tem sido bastante recorrente o aparecimento de novos casos de corrupção envolvendo actuais e antigos membros do Governo e do Parlamento grego. Seria, então, de esperar que essa fosse uma questão central de interesse duma parte considerável da sociedade grega. Nesse sentido, além das fontes anónimas de dentro do Ministério das Finanças e da Economia noticiadas, que garantem que estão a ser destruídos documentos vitais para qualquer tipo de investigação por parte dum próximo Governo, sabemos também hoje da pressão que as instituições europeias têm exercido sobre os mesmos Ministérios, diariamente. Essa pressão tem sido essencialmente no sentido de se manterem actualizados sobre a evolução do provável resultado das eleições e das soluções a serem encontradas no sentido de fazer cumprir o memorando da troika, exactamente a razão pela qual os partidos gregos do sistema irão, tudo aponta para isso, ser bastante castigados nas urnas.
Comício de Omonoia
Em 2012, o último comício do Syriza na praça de Omonoia foi o maior de sempre realizado pelo partido.
Esta quinta-feira realiza-se o grande comício da campanha do Syriza, em Atenas. Depois de alguma dúvida sobre qual o espaço em que se realizaria, devido à possibilidade de chuva, o risco foi assumido e o espaço será a praça de Omonoia. É um lugar recorrente para os grandes comícios, tendo o último sido nas eleições europeias. Vários milhares de pessoas são esperados e o comício contará com uma presença enorme de partidos e movimentos da esquerda europeia, em solidariedade. 
É a última grande acção pública em Atenas (na sexta-feira a campanha desloca-se para Creta) e é apontada como um momento simbólico, tendo em conta que, a confirmarem-se as várias sondagens desde o início do mês, será o último momento do Syriza enquanto apenas o maior partido da oposição.

22 janeiro 2015

Reportagem em Atenas: a luta pelo serviço público de informação, por Nuno Moniz e Catarina Príncipe

Por um serviço público de informação
A empresa pública grega de televisão e rádio (ERT) foi fechada por decisão governamental a 11 de Junho de 2013. Não tiveram sucesso, porque os mais de 2000 trabalhadores e trabalhadoras, em protesto contra a decisão, ocuparam o edifício principal e continuaram a transmitir, contando com uma solidariedade nacional e internacional incrível, tanto em termos de mobilizações de apoio como de recursos (como a transmissão satélite). No dia seguinte, o Governo de Samaras (Nova Democracia) e de Venizelos (PASOK) propunham a NERIT, para substituir a empresa pública que contava com mais de 70 anos. A 7 de Novembro de 2013 uma operação policial evacua o edifício principal ocupado há 148 dias. A ERT continuou com o nome ERT Open.
“Já nada é como antes, agora temos certeza do que queremos fazer”. Dois estúdios, cinco programas, emissão para as pessoas que estão fora da Grécia, na Austrália, Estados Unidos, Moscovo. Programas de rádio em 19 cidades gregas. 150 pessoas em Atenas, 350 no país. 24 horas por dia, nada pára. Falámos com o Vagilis Papadimitriou que nos deu duas certezas: a luta dos trabalhadores da ERT é pela recuperação dos seus empregos e que as eleições de domingo decidirão também sobre o futuro da empresa de informação pública. Ou seja, se continuará o controle de informação (que dizem ser o objectivo que orientou a substituição da ERT pela NERIT) ou se haverá informação livre.
"Bem-vindos à ERT livre."
Uma oportunidade histórica
Foi publicada na mais recente edição da rede Transform! uma entrevista a Alexis Tsipras, conduzida pelo Haris Golemis, Director do Instituto Nicos Poulantzas. Uma oportunidade histórica, é o seu título e foi feita em Outubro passado. O caminho até 2012 e de 2012 até hoje. A análise política sobre as alterações no panorama político, económico e social dos últimos anos que tornaram possível haver um governo de esquerda na Grécia a partir de domingo. As reuniões com Schäuble, Draghi e o Papa Francisco. O euro, a União Europeia e a renegociação da dívida. Vale a pena ler, embora não seja curta e esteja em inglês. Mas, acima de tudo, fica a ideia de que as dificuldades e os obstáculos, assim como os perigos, são bem conhecidos. Com a mesma confiança que nos diziam hoje “Alexis, claro!”, é acrescentado que o Syriza não é só esperança, como nos dizem os cartazes. É a última esperança. Se falharem, este país falhou. "Porque se o Syriza falhar, só resta o fascismo".
Alexis Tsipras. Comício em Thessaloniki.
Marine Le Pen
A máxima dirigente da extrema-direita partidária de França veio a público dizer que espera que o Syriza ganhe. Não é de estranhar. Tal como uma parte da esquerda europeia, ela aposta no falhanço de um governo de esquerda na Grécia. Para Le Pen, essa vitória poderá reforçar o eurocepticismo. Estranho é que em Portugal, o jornal “Público” tenha dado todo o espaço às reacções de membros da Nova Democracia, o principal interessado. Em caso de dúvida, fica um excerto da reacção do Syriza: “A ascensão do SYRIZA e das forças progressistas na Europa não só formam uma barreira contra a extrema-direita encarnada pela Senhora Le Pen, como é também uma mensagem de apoio à democracia, dirigida a todos os inimigos da extrema-direita.”.
Sessão de apoio ao Syriza em Paris.

Para ajudar a pensar e a agir

2015 representa a entrada num novo ciclo político. Depois do ciclo da troika em que a austeridade arrasou países e povos e foi o instrumento do aumento das desigualdades na Europa, inicia-se agora um novo ciclo política de maior intensificação da política da austeridade, de mais constrangimentos sobre a soberania dos Estados em tomarem decisões e de criação de novas sanções para quem não siga as diretivas europeias. Este é o ciclo político do Tratado Orçamental. Mas se neste novo ciclo só nos prometem agravar a receita do anterior, vale a pena lembrar as consequências brutais do que significaram estes anos de austeridade, de vigência da troika e do governo das direitas e das falácias em que se basearam.

Para entender bem os caminhos podres que atravessámos, vale a pena não esquecer os três melhores esforços para comprender as narrativas que sustentaram esta política, as consquências que ela teve na economia e na sociedade e também os caminhos que se fizeram para a construção de alternativas. Perceber bem este período é uma arma fundamental para pereceber que só nos resta mudar tudo. Aqui fica a sugestão do esforço destes anos para nos ajudar a pensar e a agir.





20 janeiro 2015

Mitos gregos


Dois mitos dominaram esta última semana de campanha eleitoral grega. E os seus cantos já se ouvem em Portugal.

1. O mito de Cronos - Tal como o Deus do tempo, que devorava os seus próprios filhos, o Syriza estaria em processo de autofagia, devorando o programa político que antes construíra. O síndrome de social-democratização galopante ilustrou as manchetes internacionais, fielmente reproduzidas pela imprensa portuguesa e curiosamente propagadas por alguns militantes do PCP. 

Este mito alimenta-se do analfabetismo político. O programa de Salónica, apresentado em setembro por Alexis Tsipras, é claro na proposta: um mandato popular para enfrentar os credores e um plano imediato de reconstrução nacional que ponha fim à austeridade.

Significa isto que um governo Syriza enfrentará, logo a partir do dia 26, a crise humanitária que se instalou no país: 300 mil famílias terão acesso a electricidade gratuita, protegendo as pessoas do inverno grego e da especulação energética; milhares reconquistarão o direito à habitação, através dum apoio efetivo ao arrendamento; Mais de 1 milhão e 200 mil pensionistas voltarão a receber o subsídio de natal, tão essencial no combate à pobreza; milhares de desempregados não serão mais perseguidos pelas dívidas à segurança social e as famílias terão as suas casas protegidas da ganância bancária. Este plano reverterá a favor do trabalho o que tem sido dado ao capital, com o impacto na criação de emprego e no aumento do salário mínimo (como aqui explica o João Camargo), associado a uma reforma fiscal corajosa.

19 janeiro 2015

Charlie Hebdo e as palavras que contam

Passaram quase duas semanas sobre os atentados no Charlie Hebdo. A expressão da solidariedade que se seguiu é um sinal de esperança num tempo de desesperança. E mesmo que a lista de convidados de François Hollande inclua quem tenha transformado a sua presença numa caricatura das suas ações, o peso dos milhões que percorreram as ruas de Paris balança o mundo para o lado certo.

A discussão pública gerada em torno do massacre é também o sinal das contradições deste tempo. Foi assim na viragem do século, é assim agora. Porém, o debate sobre o futuro da Europa escreve-se hoje nas entrelinhas do consenso forçado pela condenação dos atentados. E, neste debate, as palavras contam mesmo.