23 abril 2015

Partido sim, socialista não



Esqueçam a crítica da direita ventríloqua à agenda para a década de António Costa. O que tem que ser, em tempos de eleições, tem muita força. A primeira certeza é que a mobilização de Mário Centeno e Paulo Trigo Pereira para a coordenação do documento, mais do que uma escolha, foi uma captura à direita. João Galamba, co-autor do documento, que o diga, pois lá teve que ouvir Maria Luís Albuquerque no parlamento a elogiar o PS por este aceitar a sustentabilidade da dívida, apesar de alguns dos seus dirigentes terem assinado o manifesto dos 74, a começar pelo próprio Galamba.

Das críticas contundentes ao documento, aqui, aqui e aqui, duas perguntas impõem-se ao eleitorado do PS.

As primárias serviram para quê? 

"A sua escolha é a nossa decisão", o lema das primárias no PS, para as quais se inscreveram 150 mil não militantes, era para levar a sério?

A moção vencedora de António Costa era objetiva no diagnóstico "A lógica de confronto como método político traduziu-se na permanente desvalorização da concertação social e num ataque persistente à negociação coletiva. Atingiu o próprio coração do Estado de Direito Democrático, com uma governação que desafia reiteradamente a Constituição da República Portuguesa e provoca o conflito institucional com o Tribunal Constitucional" (p.2), resultando num compromisso, "é fundamental relançar a negociação coletiva por contraponto à política sistemática de desvalorização e desgaste a que esta tem sido submetida (...) Há, ainda, que ter em conta que a negociação setorial constitui um método de coordenação que pode prevenir a depressão salarial e a deflação e, por essa via, favorecer a procura interna indispensável ao crescimento económico." (p.18).

Ora, seria difícil maltratar mais este compromisso com os eleitores do PS. O diagnóstico é, afinal, o inverso (Agenda para a década), "a negociação coletiva, vista frequentemente como um obstáculo à flexibilidade, não parece ter, para além do seu importante significado simbólico e demonstrativo, um impacto significativo, seja pelo baixo impacto da taxa de sindicalização nas empresas nos salários pagos, seja pelo reduzido impacto dos mecanismos administrativos de extensão salarial face ao nível de almofada salarial existente." (p.20), e a proposta é usar a contratação coletiva precisamente para promover uma nova figura para os despedimentos, um “regime conciliatório e voluntário, em que as empresas podem iniciar um procedimento conciliatório, em condições equiparadas às dos despedimento colectivo” (p.31). E neste caso, as "estruturas representativas dos trabalhadores" já têm um impacto significativo. 

As primárias como simulacro resultam no desrespeito pelos eleitores e em escolhas de pouca dura.

19 abril 2015

Uma ou duas coisas que Maria de Fátima Bonifácio devia saber



A historiadora Maria de Fátima Bonifácio ficou incomodada pela forma como Manuel Carvalho da Silva, coordenador do Observatório das Crises e Alternativas, “explicou pacientemente” a João Miguel Tavares, às suas tropas e aos seus superiores, como é que o Instituto Nacional de Estatística (INE) calcula a taxa de desemprego do país. E perante esse incómodo, decidiu dedicar-lhe uma prosa dificilmente qualificável no Público desta sexta-feira, que ilustra bem a forma como a irritação política facilmente se transforma em cegueira e irracionalidade.

Chamou a tal prosa “Uma ou duas coisas que Carvalho da Silva devia saber” e nela começa por contestar o facto de Carvalho da Silva defender que se pode considerar como desempregados os indivíduos que o INE classifica como “inactivos desencorajados”. Para o INE um inactivo desencorajado é um “indivíduo com idade mínima de 15 anos que, no período de referência, não tem trabalho remunerado nem qualquer outro, pretende trabalhar, está ou não disponível para trabalhar num trabalho remunerado ou não, mas que não fez diligências no período de referência para encontrar trabalho, com os seguintes motivos para o desencorajamento: considera não ter idade apropriada, considera não ter instrução suficiente, não sabe como procurar, acha que não vale a pena procurar ou acha que não há empregos disponíveis".

Perante este argumento, Fátima Bonifácio diz que Carvalho da Silva considera como “desempregado” alguém que quer simplesmente “passar as tardes a tomar chá com a Kiki Espírito Santo". É um argumento tão caricatural quanto ridículo. A ilustre historiadora esqueceu-se de ler na definição do INE que um “inativo desencorajado” é um indivíduo que “pretende trabalhar” e não que pretende propriamente passar a tarde a beber chá. O ódio político por vezes causa cegueira. Desta vez foi uma cegueira literal. Na excitação de apanhar um deslize que lhe permitisse acusar Carvalho da Silva de defender preguiçosos e laxistas, Fátima Bonifácio esqueceu-se de ler a própria frase que cita no seu texto. Exigir-se-ia melhores competências de leitura para alguém que enche a boca a falar do “ethos académico”.

Ana Drago, o LIVRE e as privatizações. Em que ficamos?



Um ano e três meses depois, terminou a curta vida do LIVRE. Votada em "congresso estatutário", a proposta de fusão com o Tempo de Avançar não mereceu reprovação. A unificação é uma vitória de Rui Tavares, que na antecipação conseguiu alargar o seu projecto, reafirmando a sua liderança. Respeitando o simbolismo do fim de semana, o LIVRE/Tempo de Avançar lançou a sua primeira campanha de rua coordenada em todo o país. Entre hoje e as legislativas é uma nesga.

Do panfleto que a nova formação fez chegar à rua, em tudo fiel às propostas contidas na Agenda Inadiável de uma nova maioria, constam uma confirmação e um recuo.

 A certeza é que o tema do Tratado Orçamental foi definitivamente varrido da agenda eleitoral do partido, quedando-se por uma declaração de intenções "Negociar com determinação na União Europeia para reestruturar a dívida pública e assegurar orçamentos que garantam os serviço públicos, deixando a economia respirar." Como já alguns tinham frisado, uma maioria liderada por um PS que faz do seu compromisso com o Tratado Orçamental todo um programa e pertence à família política que na Europa compactua com a direita para sufocar o governo grego, simplesmente não assumirá uma ruptura com Merkel. A confirmação explica também o desconforto provocado no seio do LIVRE/Tempo de Avançar pelo "Manifesto para uma esquerda que responda a Portugal", dinamizado por Manuel Loff e Fernando Rosas. É que tal como consta dessa proposta, se há um caminho que pode ajudar no diálogo à esquerda é o entendimento comum da ruptura com o Tratado e a sua jaula orçamental.