Os Xutos e
Pontapés são daquelas coisas que mesmo que quisesse não me conseguiria desprender.
São quase quarenta anos de rock que acompanharam os quarenta anos de
democracia. E são sobretudo fruto de uma mudança na sociedade portuguesa que acolheu
o riffs alucinantes, o ritmo acelerado, a crítica ácida ao sistema e ao poder e
o espírito anti-subversivo. Não foram só os Xutos mas neste novo disco - Puro - eles voltam a confirmar que são provavelmente a
banda de rock português mais sólida do ponto de vista de produção de originais
desde 1978. Não desapareceram da ribalta, estiveram sempre a produzir e no
essencial não mudaram a sua identidade nestes tempos em que a música que roda
nos grandes circuitos comerciais tem percorrido caminhos estranhos onde o rock
quase já não cabe.
Confesso que também estou cansado de ouvir em tom de
circunstância a “Maria”, “o Homem do Leme”, “A minha casinha” ou o “Não sou o
único”, mas estes 36 anos de banda são muito mais do que a mediatização de
alguns singles. São treze discos de
originais de uma banda que marcou várias gerações desde final dos anos 70 e
que, ao contrário de muitas outras grandes bandas, contínua a lançar discos que
não se resumem a mastigar as sonoridades que lhes permitiriam continuar a existir.
Quem ouve hoje o seu novo álbum “Puro” encontra um cruzamento de tempos, de
estilos, de sonoridades rock, hardrock, punk e de temas que respeitam a
história da banda mas que lhe dão uma nova vivacidade.
Em temas como “Ligações
Directas”, “Voz do Dono”, “Salve-se quem puder” ou “A Nação” encontramos uns
Xutos em abordagens de hardrock e punk onde as distorções são acompanhadas de
letras de homenagem às “puxadas” que o povo do bairro do Lagarteiro no Porto fez
quando a EDP lhes decidiu cortar a luz, letras sobre a emigração e desemprego,
letras sobre um país pobre e em desespero. Nestas e noutras músicas vemos que
continuam vivas a raiva e a crítica social da história de “Leo” nos anos 70, “Sai
Prá Rua” ou a “Carta Certa” nos anos 80, “Estupidez” ou “Dia de S. Receber” nos
anos 90 e “Esta cidade”, “Fim do mês” ou “Zona Limite” a partir de 2000. Neste
disco os Xutos e Pontapés retomam a crítica social e política que, de forma
mais ou menos constante, marca toda a sua obra e que apesar de estar presente
no seu penúltimo disco de 2009 em músicas como “Sem eira nem beira”, assume
neste disco uma sonoridade acelerada e mais pesada. Por outro lado, em “O
Milagre de Fátima”, a bateria e os riffs fazem anunciar um punk subversivo e
ácido que vem da tradição de “Ave Maria”.
Puro é boa novidade para o Rock e para a
Música. Respeita a memória, orgulha a história da banda e inova onde tem de inovar.
É bom saber que ainda há músicos deste calibre.
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