28 fevereiro 2014

Muito cuidado com os decretos...



O João Teixeira Lopes citava aqui os paradoxos que persistem em Portugal em matérias de desenvolvimento do sistema educativo e de persistência de desigualdades escolares consideráveis e duradouras. Esse paradoxo é particularmente acentuado nas políticas que hoje se desenvolvem para o Ensino Superior. Queria-vos falar especificamente do que o governo está empenhado em transformar na rede de ensino superior, particularmente através dos decretos orientadores para a fixação vagas, onde as instituições encontram os critérios gerais que devem presidir ao número de cursos e vagas que podem abrir no ano letivo seguinte. 

Encontramos uma novidade nos decretos dos últimos dois anos lectivos que fixaram as vagas para 2012/2013 e 2013/14. Neles são incluídas duas questões absolutamente claras: em primeiro lugar, as vagas no ensino superior devem ser condicionadas mediante o desemprego e a “empregabilidade” dos diplomados; em segundo lugar, ajustar as vagas em função dos critérios de empregabilidade passa a ser uma obrigação no quadro da racionalização da rede de ensino superior.

Apesar destas orientações irem de encontro a alguns dos pressupostos da Declaração de Bolonha de 1998 e do RJIES de 2007, elas são paradigmáticas: procuram objetivamente reduzir a oferta do ensino superior, a partir de uma adaptação do ensino às supostas necessidades imediatas da economia; e procuram, por outro lado, desenvolver uma linha de políticas públicas que se baseia em dados que não são credíveis, como aliás todas as instituições de ensino e a agência de avaliação e acreditação do ensino superior (A3ES) reconhecem nos seus pareceres e relatórios.
Com efeito, olhando para despacho que fixou as vagaspara 2012/2013, no seu Artigo 7º - “Empregabilidade” -, previam-se algumas normas orientadoras relacionadas com o condicionamento do número de vagas a abrir em função da empregabilidade dos cursos, designadamente:

(a) “Na fixação de vagas em cada par instituição/curso as instituições de ensino superior devem ter em consideração a informação disponível sobre a empregabilidade dos seus ciclos de estudo”;

(b) “Sempre que uma instituição pretenda aumentar o número de vagas de um par instituição/ciclo de estudos deve demonstrar, fundamentadamente, que o nível de desemprego nesse par é inferior ao nível geral de desemprego dos diplomados com um curso superior”.

Estas orientações deviam ser executadas a partir dos dados produzidos pela DGEEC, referentes aos diplomados inscritos nos centros de emprego do IEFP. Isto é, os números reais do desemprego não se conhecem, na medida em que estes dados apenas dizem respeito aos diplomados inscritos nos centros de emprego.
Vejamos o alcance deste pressuposto:

Se consideremos um par instituição/ciclo de estudos que, nos últimos dez anos, diplomou 150 alunos (o que é um número razoável para universidade média à escala portuguesa). Se desses diplomados 7 estão inscritos em centros de emprego, o índice ICEp/Dp seria de 7/150=4,7%, bastante inferior ao Índice global do ensino superior ICE/D, que é de cerca de 5,2%. Este par instituição/ciclo de estudos poderia aumentar o número de vagas para o ano letivo de 2012/2013.

Mas, se o número de inscritos em centros de emprego fosse de 8 em vez de 7, o índice ICEp/Dp passaria a ser de 8/150=5,3% e o par instituição/ciclo de estudos estaria impedido de aumentar o número de vagas.

O critério é frágil e trata um assunto demasiado sério com absoluta leviandade. E soma-se a isso o facto das instituições de ensino superior já estarem objetivamente proibidas de aumentar o número total de vagas da instituição em relação ao ano anterior.

De facto, estas orientações gerais sofreram alterações no despacho do ano seguinte que orientou a fixação das vagas para o ano de2013/2014. Neste despacho, a empregabilidade é enquadrada como um dos critérios a ter em conta na racionalização da rede superior que, segundo o despacho, deve ser desenvolvida pelas instituições e estimulada pelo Ministério da Educação e Ciência. Desta forma, são introduzidas novas regras que especificam o enquadramento normativo deste critério. 

No seu artigo 7º - “Pares instituição/ciclo de estudos de elevado nível de desemprego” -, explicitam-se as seguintes regras:

Conceitos:

Nível de desemprego: nº de inscritos no IEFP entre o ano lectivo 2006/2007 a 2010/2011 que concluíram o grau no par instituição/curso dividido pelo número de diplomados entre o ano lectivo 2006/2007 a 2010/2011 que concluíram o grau no par instituição curso, multiplicado por 100.

Nível geral de desemprego: nº de graduados inscritos no IEFP entre o ano lectivo 2006/2007 a 2010/2011 dividido pelo número total de graduados, multiplicado por 100.

1.         As vagas de um par instituição/ciclo para 2013/2014 não podem ser superiores às de 2012/2013 caso o nível de desemprego desse par ciclo/instituição  seja menor ou igual ao nível geral de desemprego  multiplicado por 1,25. Neste caso o número de vagas a fixas em 2013/2014 não pode ser superior ao número de vagas fixadas em 2012/2013 multiplicadas por 0,95

2.         As vagas de par instituição/ciclo para 2013/2014 têm que ser menores que as fixadas no ano 2012/2013 caso:

(a) o nível de emprego do par instituição/ciclo seja maior que o nível geral de desemprego multiplicado por 1,25 ou o nível de emprego do par instituição/ciclo seja menor ou igual ao nível geral de desemprego multiplicado por 1,5. Neste caso o número de vagas a fixas em 2013/2014 não pode ser superior ao número de vagas fixadas em 2012/2013 multiplicadas por 0,925.

(b) O nível de emprego do par instituição/ciclo seja maior que o nível geral de desemprego multiplicado 1,5 ou o nível de emprego do par instituição/ciclo seja menor ou igual ao nível geral de desemprego multiplicado por 1,75.

(c) O nível de emprego do par instituição/ciclo seja maior que o nível geral de desemprego multiplicado 1,75. Neste caso o número de vagas a fixas em 2013/2014 não pode ser superior ao número de vagas fixadas em 2012/2013 multiplicadas por 0,9.

O plano é simples: reduzir a oferta de vagas no ensino superior fazendo-as depender de um critério de “empregabilidade”. Um critério para o qual não existem dados credíveis e que faz depender obrigatoriamente a formação académica das necessidades imediatas do mercado de trabalho. O caso é tão absurdo ao ponto de se condicionarem vagas de cursos que hoje têm níveis de desemprego altos quando quem entra hoje no ensino superior só entra no mercado de trabalho daqui a três ou cinco anos.

São alterações perigosas. Exigem-nos clareza nas políticas públicas e rigor na análise. Não podemos fingir que isto não está a acontecer, porque está mesmo. 


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