20 outubro 2014

O que o PS quer fazer com a dívida?


Há uma modorra que se instalou na política portuguesa e que se plasma neste que é o Orçamento de Estado do purgatório: o único que é apresentado depois da saída oficial da troika e antes da total implementação do Tratado Orçamental. O último que é inteiramente desenhado por Passos e Portas e sancionado por Cavaco. O derradeiro antes de se saber com quem e como governará o Partido Socialista. É o orçamento da espera.

Neste cenário, a nova liderança do PS ganharia em apresentar uma solução alternativa ao verdadeiro nó górdio do Estado: 7900 milhões de euros apenas em pagamento de juros da dívida (um aumento de 3,6% em relação ao anterior orçamento) ou o mesmo que 104% da dotação orçamental da Saúde em 2014. A escolha de Ferro Rodrigues para a liderança da bancada parlamentar terá alentado alguns sectores à esquerda, não fosse ele um dos 74 subscritores do Manifesto "Reestruturar a dívida insustentável e promover o crescimento, recusando a austeridade", transformado numa petição pública que alcançou mais de 35 mil assinaturas.

O documento estabelece três medidas para a reestruturação: (I) o abaixamento significativo da taxa média de juro do stock da dívida; (II) extensão de maturidades da dívida para quarenta ou mais anos; (III) a reestruturação, pelo menos, de dívida acima dos 60% do PIB, tendo na base a divida oficial. Uma segunda petição, promovida pela "Iniciativa por uma auditoria cidadã à dívida", que será discutida no parlamento nesta quarta-feira, prevê que a reestruturação acarrete um processo de auditoria, a partir da criação de uma entidade pautada pela difusão democrática dessa informação e pela independência face ao poder financeiro.

Perante esta iniciativa, à qual Bloco e PCP responderam com projetos de resolução, o PS convocou o seu quartel-general de economistas, após o qual ficou conhecido o novo "nim" do partido: proposta de uma audição pública sobre a dívida pública sem qualquer referência à reestruturação.

Este debate ocorre num momento particular da implementação do Tratado Orçamental, com o governo francês a negociar com Bruxelas a extensão em dois anos no cumprimento das metas do défice. Mas ao contrário da tese recém forjada por Daniel Oliveira, que vê em Hollande um Moisés capaz de abrir o caminho ao incumprimento do Tratado Orçamental, o que o plano da Europa merkeliana nos diz é que o debate entre a social-democracia e a direita conservadora ficou reduzido a um tímido braço-de-ferro quanto aos níveis de investimento alemão. Nenhum espaço à reestruturação da dívida, tal como a missiva de Elisa Ferreira e Maria João Rodrigues deixou claro na reunião dos economistas: "A Alemanha não quer".

Haveria melhor momento do que este para falar grosso na resposta europeia ao principal problema orçamental dos países do sul: a dívida? João Galamba e outros dirigentes do PS continuarão a sua Draguimania, clamando pelas folgas e flexibilizações nos tratados, mas o PS seguirá sendo nesta matéria o que o diretor do Diário Económico de forma certeira e elogiosa classificou como "um partido de poder". O poder de mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma.

Sem comentários:

Enviar um comentário